É fato histórico que tanto Fritz Perls quanto seus seguidores californianos não tinham grandes preocupações em apresentar uma teoria sistemática para a Gestalt. Mas, isso não significa que no seu desenvolvimento, o aspecto originário de sua constituição tenha se abstraído das grandes influências filosóficas,  muito pelo contrário, Gestalt é  ver o mundo no presente da realidade de cada fenômeno. Paco Peñarrubia em La vía del vacío fértil, descreve uma gama de escolas de pensamento e prática terapêuticas que transformam a Gestalt-terapia num fenômeno integrativo sem precedentes na história da Psicologia e das terapias.

    … um modo de ver o mundo sem os prejuízos que carregam consigo os conceitos, …     

Todavia, é a atitude terapêutica de Fritz e do Zeitgeist que viveu a partir dos 60 em Esalen-Califórnia que marca profundamente seu próprio  desenvolvimento. Seja como for, sua herança está fundamentada numa compreensão do presente, do contágio e da transparência, da auto-regulação organísmica e das técnicas como extensões da atitude do terapeuta, não como meras teorias psicológicas da percepção baseadas em princípios abstratos.

 

Pode-se dizer que a história da Gestalt-terapia tem em Perls a marca indelével do seu criador, e que o resgate da sua posição nessa tradição  deve-se, indubitavelmente, ao tenaz esforço do seu discípulo, colaborador e herdeiro, Cláudio Naranjo. Ainda que afirme ser um experiencialismo ateórico, a Gestalt, desde seu início está em sintonia com as idéias originárias de uma filosofia existencial fenomenológica.

Na sua irreverência ôntica e ontológica, Perls dizia aceitar que durante sua vida tivera apenas três grandes influências. Uma delas teria sido o filósofo Salomon Friedlander, do qual aprendera o significado de equilíbrio, do ponto zero entre os opostos, que configurava a chamada indiferença criativa. A Gestalt originária de Perls,  ainda que possamos vê-la, na sua práxis, como uma verdadeira arte, quando no seu desenvolvimento é submetida aos aportes da compreensão das técnicas e por que não da teoria das neuroses, realizados por Cláudio Naranjo, dando um novo impulso ao seu fazer terapêutico, reafirma-se como um sistema integrativo de muitos saberes.

“Los sistemas subyacentes de la psicoterapia, con sus reglas, técnica y rituales, están en contra de la psicoterapia como arte…La enseñasa de la gestalt es que no hay reglas: sólo toma de consciencia. Atención y espontaneidad, o mejor aún: percatarse y naturalidad.”

Gestalt y Psicologia dos Eneatipos

A Psicologia dos Eneatipos desenvolvida por Cláudio Naranjo é uma visão transpessoal que deixa ver a estrutura e a formação da personalidade ou caráter. É uma fenomenologia existencial, que encoberta por uma ilusão metafísica ou obscurecimento espiritual revela o esquecimento do ser.

Cláudio ao afirmar que o espírito é como a totalidade de nós mesmos, nosso ser,  tem como referência o modelo de uma pirâmide em que seus três vértices, apoiado na terra, com seus três centros: o cognitivo, o emocional e o motor, em correspondência com o pensar, o sentir e o querer, e aliados ao espírito dionisíaco e ao apolíneo,  manifestações de divindades que provocam transformações na dinâmica do amor, e da qual padece todo homem em sua natureza, nomeados como espírito ou eu, oferece mais um aporte à psicoterapia da Gestalt, a sua teoria dos tres amores, uma inspiração originária do seu precptor e amigo,  Totila Albert. Assim, pode  dizer Cláudio: “si lo divino es el corazón de lo humano, en el corazón de lo humano está la sabedoria y el amor dándose la mano. La sabedoria tiene que ver con la nada. Con no creerse algo, quitarse de en medio en la corriente de la vida. Pero de eso viene el amor: una abaundancia, una generosidad, un ver al otro… que el abrazo de nuestras partes interiores podría concebirse com un abrazo entre tres maneras distintas de amar”.

    “Gestalt!”, afirmava Perls, não era apenas mais um conceito criado pelo homem, mas algo inerente a sua própria natureza.     

Cláudio, inúmeras vezes, tem relatado o carisma e a atitude de Perls frente ao fazer terapêutico, enfatizando sempre o caráter experiencial da Gestalt-terapia, tendo em conta a compreensão de Perls, “que uma vez que separamos o pensamento dos sentimentos, o julgamento da intuição, a virtude da consciência de si mesmo, a intencionalidade da espontaneidade, o verbal do não-verbal perdemos o que podemos chamar de Si mesmo, a essência da existência, e nos transformamos em frias máquinas humanas neuróticas e confusas”.

A Gestalt de Esalen ou simplesmente Gestalt tem como característica o foco na experiência e como seu verdadeiro fundador, Fritz Perls. É nesses termos que afirma Cláudio Naranjo: “Assim como os lacanianos falam de um retorno a Freud, já desde algum tempo venho recomendando uma “volta a Perls” nesses tempos em que, como havia explicando em Gestalt sem Fronteiras, não só pretende-se enterrar a Perls obliterando sua influência, mas, de uma vez por todas, colocar em seu lugar Paul Goodman como seu verdadeiro pai e fundador.”

Gestalt Viva

A partir de Fritz Perls, Cláudio traça uma nova perspectiva para a Gestalt, agora uma gestalt sem fronteiras e integrativa com outros saberes, uma Gestalt Viva, resgatando o valor da autenticidade, da confiança na experiência verdadeira e na sincera comunicação, como um caminho da expansão da consciência e de cura.

 

A Gestalt Viva é, portanto,  uma visão integrativa e holística na compreensão de métodos e estilos. Pela inspiração de Claudio Naranjo revela na dinâmica das inter-relações uma sabedoria que, sob o enfoque da atitude e da transparência pessoal do terapeuta, apoiado tanto na aprendizagem das técnicas como na intuição, como elementos centrais para a expansão da consciência pessoal e da relação terapêutica, se integram, gerando um approach sem precedentes para o autoconhecimento do homem.

O dar-se conta, ou percatar-se, agora concebido como um processo de restauração da saúde e do sentido do ser, no qual a neurose é um obscurecimento da capacidade do homem de perceber a si mesmo, aos outros e ao mundo; o caminho correto é ir pouco a pouco desenvolvendo nossa capacidade intrínseca de sanar-se a si mesmo.

 

Diz Cláudio, que nesses tempos em que a Gestalt passa a aparecer apenas como uma entre as terapias humanistas, chamar a atenção para uma Gestalt Viva significa resgatar o seu grande potencial transformador, ao qual seria conveniente que se recorresse para a formação de educadores e outros profissionais, ou para quem importa antes de tudo  os seres humanos, a vida.